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O que vai ser do Brasil com a desvalorização da engenharia? O paradoxo da profissão que constrói o país.

25/09/2025

O engenheiro é responsável por projetar e executar as obras que sustentam a vida em sociedade: pontes, estradas, prédios, saneamento, energia. Apesar da relevância, a profissão sofre com um processo contínuo de desvalorização, que se reflete nos salários iniciais, na queda do interesse dos jovens e até na qualidade dos serviços públicos.

A Lei 4.950-A/1966 estabeleceu um piso profissional claro: 8,5 salários-mínimos para 40h semanais. Em 2025, isso significa R$ 12.903,00. Mas esse número, que deveria ser uma garantia mínima, tornou-se exceção.

Nos últimos dez anos, o país assistiu a um movimento preocupante:

  • Queda de até 60% nas matrículas em cursos de Engenharia Civil (INEP/MEC, 2014–2024).
  • Aumento da evasão universitária: muitos estudantes abandonam o curso ao perceber a baixa valorização profissional.
  • Mercado de trabalho precarizado: excesso de engenheiros em algumas áreas, subcontratação via PJ, salários iniciais que não chegam nem à metade do piso legal.
  • Esse quadro levou a uma redução no número de novos engenheiros registrados nos CREAs e enfraqueceu a atratividade da carreira, considerada estratégica para o desenvolvimento nacional.
  • O estado de Goiás é exemplo claro desse processo. Nos concursos municipais recentes, os salários oferecidos para engenheiros estão muito distantes do piso:
  • Formosa (2024): Engenheiro Civil (40h) – R$ 4.715,90; Engenheiro Elétrico – R$ 3.348,66.
  • Baliza (2024): Engenheiro Civil (40h) – R$ 3.000,00.
  • Flores de Goiás (2025): Engenheiros Civil e Ambiental (40h) – R$ 4.384,00.
  • Rianápolis (2025): edital abriu vagas com salários de cerca de R$ 2.000,00 a R$ 3.000,00 para cargos que exigem graduação em engenharia.

Esse último caso motivou a atuação firme do SENGE-GO e da AGEAMB, que acionaram formalmente o CREA-GO para denunciar a desvalorização, exigindo fiscalização e impugnação do edital de Rialma. O sindicato enfatizou que não se pode admitir que profissionais com anos de formação e responsabilidade técnica recebam salários inferiores aos de muitos cargos de nível médio.

Esses valores representam menos de 40% do piso legal. Na prática, muitos engenheiros municipais goianos recebem salários que ignoram a Lei 4.950-A/1966, configurando um contrassenso frente à complexidade e responsabilidade do trabalho.

Enquanto isso, em concursos federais, como o DNIT, engenheiros ingressam com vencimentos de cerca de R$ 12.800,00 a R$ 13.600,00, um patamar mais próximo do que a lei garante.

Por que essa desvalorização é perigosa?

  • Fuga de talentos: os melhores profissionais migram para o setor privado ou para o exterior.
  • Desinteresse pela carreira: a queda nas matrículas em Engenharia Civil já é reflexo direto dos salários pouco atrativos.
  • Impacto social: municípios mal assistidos tecnicamente correm maior risco de falhas em obras, planejamento urbano deficiente e precarização de serviços essenciais.

O papel das instituições

CREA-GO : tem obrigação legal de fiscalizar o cumprimento da lei, inclusive impugnando editais que desrespeitem o piso. Casos como o de Rialma reforçam a urgência de uma atuação mais proativa.

SENGE-GO : atua como representante sindical, ajuizando ações coletivas e defendendo a categoria, além de pressionar publicamente contra editais que ferem a valorização da engenharia.

Sociedade : deve compreender que pagar bem o engenheiro não é luxo, mas investimento em segurança e qualidade para todos.

Conclusão

A pergunta que dá título a este editorial é também um alerta: o que vai ser do Brasil com a desvalorização da engenharia?

Sem profissionais qualificados e motivados, o país corre o risco de comprometer seu desenvolvimento, perpetuar obras mal feitas e desestimular gerações futuras de engenheiros.

Em Goiás, a situação é emblemática: salários entre R$ 2 mil e R$ 4,7 mil para engenheiros de prefeituras contrastam com o piso legal de R$ 12.903,00. O caso de Rialma, levado pelo SENGE-GO ao CREA-GO, mostra que a luta institucional precisa ser constante para reverter esse quadro.

Enquanto houver esse distanciamento entre lei e prática, a engenharia brasileira seguirá em crise. E um país sem engenheiros valorizados é um país sem futuro bem construído.


Fabrício Ribeiro. Diretor de Comunicação do SENGE-Go; Engenheiro Civil; Engenheiro na Saneago, Professor de Pós-graduação no IPOG e Perito Judicial no TJGO.

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